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quinta-feira, 2 de outubro de 2014




A determinação da inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e africana no currículo da educação básica trouxe ao debate o tema da intolerância em relação às religiões de matriz africana em sala de aula e o papel exercido pelo ensino religioso em tal contexto.



Os alunos da formação Educação, Relações Raciais e Direitos Humanos puderam conhecer a experiência da Relatoria do Direito Humano à Educação, durante a missão Educação e Racismo no Brasil, que realizou uma investigação sobre os casos de intolerância religiosa em creches e escolas dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, entre 2010 e 2011.
De acordo com Suelaine Carneiro, assessora Nacional para o Direito Humano à Educação em dois mandatos (2007-2009/2009-2011) – e coordenadora do Geledés Instituto da Mulher Negra – a intolerância religiosa é um fenômeno que tem se manifestado comumente nas escolas brasileiras e, no caso das religiões de matriz africana, faz parte do racismo que marca a história da população negra na educação do país.
“Há muitas faces para o racismo brasileiro. A intolerância e o preconceito em relação às religiões de matriz africana, via de regra, são vistas como brincadeiras entre os/as alunos/as e raramente encaradas em sua dimensão discriminatória. Mas sabemos que consideradas como manifestações ‘primitivas’ ao longo do tempo essas religiões foram desqualificadas, depreciadas e perseguidas e não é à toa que no ambiente escolar os conflitos decorrentes deste tipo de discriminação muitas vezes resultam em agressões físicas, como socos, pontapés e até apedrejamento”, explica.
Suelaine chama atenção para o que definiu como o pacto de silêncio praticado por muitos/as professores/as que diante de situações conflituosas referentes às religiões optam pela omissão e acabam por legitimar as ofensas e, consequentemente, a contribuir para o baixo desempenho educacional dos/as estudantes que são vítimas de racismo no espaço escolar. Discutir e trabalhar questões sociais, como o preconceito racial e a intolerância religiosa, enriquece o desenvolvimento curricular dos/as alunos/as, bem como fortalece os processos de aprendizagem. Em sua opinião, é necessário o abandono de convicções pessoais e concepções sobre o universo das religiões de matriz africana por parte dos/as profissionais da educação, que devem adotar uma postura efetiva de combate à discriminação.
Assim como Suelaine, Denise Carreira – hoje, Coordenadora da Área de Educação da ONG Ação Educativa – participou da Missão Educação e Racismo no Brasil e também compartilhou suas impressões como relatora desta iniciativa. Denise destaca que a intolerância às religiões de matriz africana é um obstáculo à implementação da lei 10.639. “As pessoas acreditam que a lei 10.639 é uma lei religiosa, quando na verdade está comprometida com a cultura e história do povo negro. E por conta do desconhecimento, atacam o que ignoram, impondo obstáculos ao cumprimento da lei. Olhar para os/as professores/as é fundamental nesse processo de defesa das religiões afro e do direito humano à educação”.
Denise apresenta as principais recomendações resultantes do período de estudos e análise das denúncias feitas à Relatoria do Direito Humano à Educação:
Com relação à Intolerância Religiosa em geral:
1) Criação de Plano Nacional para o Enfrentamento da Intolerância Religiosa – O governo federal encontra-se em fase de elaboração de uma proposta de Plano, em diálogo com setores religiosos, a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Entendemos que tal proposta deve ser debatida amplamente pela sociedade e encaminhada para tramitação ao Congresso Nacional visando que se transforme em lei federal.
2)  Implantação de Comissões de Intolerância Religiosa ou de instâncias similares em todos estados brasileiros – A experiência da Comissão de Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro, como instância composta por organizações da sociedade civil, representantes das diversas denominações religiosas, Ministério Público e de secretarias de governos, tem se constituído em canal fundamental para denúncia, visibilidade  e  encaminhamento  jurídico  dos  casos.  A implantação destas instâncias, e sua adequada divulgação junto à mídia, creches e escolas e aos demais setores que prestam atendimento público é uma medida urgente para o enfrentamento do problema.  Assim é proposto que de sua composição faça parte representantes das Secretarias Municipal e Estadual de Educação ou/e dos Conselhos de Educação.
Com relação à Intolerância Religiosa e os sistemas educativos:
3)  Implementação  efetiva  do  Plano  Nacional  das  Diretrizes  Curriculares Nacionais  para  a  Educação  das  Relações  Étnico-Raciais  e  para  o  Ensino  de História  e  Cultura  Afro-brasileira  e  Africana  pelos  sistemas  educacionais  – Lançado  publicamente  em maio  de  2009  pelo Ministério  da  Educação  e  Secretaria Especial  de  Políticas  de  Promoção  da  Igualdade  Racial,  o Plano Nacional  foi criado para enfrentar um  quadro  marcado  ainda  pela  fragmentação  e  descontinuidade  da  ação governamental no que se refere à implementação da lei no cotidiano escolar. Aliado a isso, missão em curso desta Relatoria revela que a resistência de diversos profissionais vinculados a determinadas denominações religiosas tem criado obstáculos concretos à implementação da lei 10.639 nas creches e escolas, entendida, na chave da “demonização” não somente de religiões de matriz africana, mas de outros componentes da cultura e da história do povo negro no país, como é o caso de proibição da capoeira.
4) Criação de protocolo para  apresentação de denúncias  relativas  à  intolerância religiosa,  racismo,  homofobia/lesbofobia,  de  gênero,  contra  deficientes  e  demais discriminações e violências ocorridas em creches, escolas e universidades – Visando criar procedimentos para que estudantes, familiares e profissionais de educação, que forem vítimas ou testemunharem casos de discriminação no cotidiano das instituições educativas  (públicas  e  privadas),  possam  apresentar  a  sua  denúncia  e  o  sistema educacional atuar de forma adequada no encaminhamento do problema junto a outras instituições da  rede de proteção de direitos das  crianças, adolescentes e  juventude.
5)  Formação  dos(das)  profissionais  e  gestores  de  educação  e  conselheiros tutelares  para  compreensão  e  construção  de  estratégias  locais  de  enfrentamento  e prevenção  da  intolerância  religiosa  e  de  outras  manifestações  de  racismo, homofobia/lesbofobia,  sexismo  e  demais  formas  de  discriminação  presentes  nas unidades  educacionais.  É urgente a inclusão desses conteúdos como disciplina obrigatória dos cursos de pedagogia e licenciatura das universidades públicas e privadas e nos programas de formação continuada de forma mais aprofundada, consistente e comprometida com uma atuação mais assertiva nas unidades educacionais como parte da rede de proteção, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.
6) Fortalecimento das ouvidorias na área de educação – É preciso dinamizar essa instância nas secretarias e demais órgãos de educação, com a devida divulgação pública de seu funcionamento e de suas competências, criar um sistema de monitoramento das etapas de encaminhamento com acesso público e consolidação e análise das principais denunciais com a consequente recomendação às áreas de planejamento e de orientação pedagógica das secretarias.
E o ensino religioso?
O ensino religioso, de acordo com o Conselho Nacional de Educação, deve ser entendido como “(…) o espaço que a escola abre para que estudantes,facultativamente, se iniciem ou se aperfeiçoem numa determinada religião”. Atualmente, ele está sob a responsabilidade de cada estado e seus sistemas de ensino, que definem os conteúdos curriculares e também as normas para admissão de professores/as.
A ausência de critérios de avaliação dos cursos e de diretrizes curriculares cria um cenário fragmentado, que tem sido constantemente foco de denúncias. Em sua pesquisa, o doutorando em antropologia social, Milton Silva dos Santos, analisa como alguns livros didáticos de Ensino Religioso, lançados por editoras leigas e religiosas, abordam as religiões não-cristãs e, especialmente, a maneira como as afro-brasileiras são caracterizadas.
Em sua vivência diária nas escolas estaduais do município de São Paulo, Milton acompanha as inúmeras irregularidades cometidas pelas unidades de ensino, que adotam um programa com uma abordagem prioritariamente judaico-cristã, o que fere o direito à liberdade religiosa e a diversidade exigida em um Estado Laico.
“O que pude perceber nessa fase de acompanhamento das escolas, é que os/as professores/as, em sua maioria historiadores/as, constroem suas aulas com base em materiais ultrapassados, de diferentes fontes, que acabam por priorizar a aliança católica-evangélica. Os pais, por sua vez, na maioria das vezes, não são comunicados sequer da existência da disciplina, como não são sondados sobre a permissão ou não da participação de seus filhos. O diretor lança a disciplina a seu bel prazer, ela vai para atribuição, é homologada e pronto.”, comenta.
Milton afirma que outro problema que desponta com a disciplina chamada ‘Religião’ nas unidades educacionais é a ausência de alternativas para os alunos que não queiram acompanhar a matéria. “Em muitas escolas as bibliotecas não funcionam, não são previstas outras atividades e, consequentemente, todos os alunos acabam assistindo as aulas que chamam de Religião, quando na verdade deveriam ser tratadas de histórias das religiões e suas culturas”, salienta.
Em seu levantamento dos materiais didáticos usados em tal disciplina, ele concluiu nessa primeira etapa de estudos que em sua maioria eles são “acríticos e descolados da realidade” e ao abordar as diferentes religiões acabam por essencializá-las, desconsiderando as transformações que sofreram com o passar dos anos. “Quase em sua totalidade, por exemplo, os personagens que são vinculados às religiões de matriz africana são negros e bem sabemos, basta visitar qualquer terreiro, que essas religiões não são mais negras, possuem um caráter universal e tem como origem a África e sua história. Essa essencialização reduz, distancia e em nada colabora para a compreensão das crianças sobre as culturas das religiões de matriz africana.”
Pelo que se pode constatar o modo como a disciplina tem sido ministrada nas escolas públicas é uma afronta ao principio da laicidade do Estado, igualdade de direitos e liberdade religiosa.

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